Ansiedade: Podando Excessos
frutas e ovo sem sal meu deus faxineira vai atrasar notícias da família roupa adequada pasta comprar produtos de limpeza sabão sabão em pó falar com mãe encomenda da China arrumar amostras receita na portaria comprar areia dos gatos boleto do convênio meu deus vai ter uma greve a cidade vai ficar cheia de gente vazia de coisa desmarcar remarcar
São Paulo, terça feira, 08h-10h.
Ninguém é ansioso à toa.
Por isso eu estranho um pouco se alguém me fala que é ansioso, que isso é ruim e só causa incomodo. O “ansiosão” é a mesma pessoa que geralmente planeja os eventos da família, que faz as contas da casa, que se preocupa se a avó está confortável, se magoou um amigo com um comentário. Há uma função clara para a ansiedade: tornar coisas da vida como relevantes, como preocupantes, e causar algum movimento naquele que sente (como uma possível resolução aos problemas). O ansioso é (está?) sempre útil, sente alívio quando arruma algo, e por isso é ingrato reclamar dele quando ele está angustiado ou cobrando: normalmente todos se beneficiam de tê-lo do lado.
Pode haver uma propensão maior a ansiedade com diferentes estímulos, mas ser ansioso implica que ansiedade brota com qualquer coisa, de fake news até a queda do jogador de futebol. Mais comum é alguém que fica ansioso em várias situações, inclusive algumas estranhas, que causam incômodo ou exageradas- dirigir, ver o filho brincar, preencher um formulário no trabalho, planejar as contas do mês, passar na frente de um hospital ou igreja, pensar no futuro da própria carreira. Também pode acontecer de alguém ficar "ansiosinho" em tantas situações que fica ansioso sempre, e não consegue relaxar direito.
Mas o demônio está nos detalhes. É bonito pensar em ansiedade como algo funcional, útil, mas a verdade é que cada momento de ansiedade é um sofrimento, uma angústia, uma sensação de que algo pode dar errado. Que jeito de viver! Sofrendo agora, sofrendo para aceitar alguma coisa, para talvez sofrer menos, esperando o sofrimento maior! Que esquema duro de vida, nós somos obrigados a viver! Enquanto ansiedade aparece pouco, ela modula nossas ações para que antecipemos problemas dum jeito ótimo, sem que estes não fiquem grandes demais; se aparece demais, há o sofrimento pelo problema em si, e sofrimento pela própria ansiedade, o que só faz com que a produtividade caia!
Então ansiedade não garante nem maior eficiência nem menos sofrimento, mas geralmente quem “é ansioso” está sendo cobrado para ser assim, para funcionar desse jeito. Daí, podemos pensar em 3 níveis de ansiedade: um baixo, no qual a pessoa não produz bem, não se antecipa, que procrastina (e depois, talvez sofra por ter que resolver coisas de um modo intempestivo); um ideal, a zona cinzenta, no qual há antecipação, planos, algum controle, mas para um bom aproveitamento da vida, sem sofrimento intenso; a pessoa se deixa sentir a ansiedade, e usa esse sinal para boas resoluções; e outro acentuado, no qual há momentos de angústia muito intensos nos momentos de dificuldade, atrapalhando ainda mais a resolução necessária, ou no qual a pessoa fica “perenemente” ansiosa, independente do que estiver acontecendo. A essas situações, damos o nome de transtornos de ansiedade.
Por exemplo: não é absurdo que alguém não goste de baratas, são bichos meio nojentinhos mesmo. Alguém que quase desmaia, que fica com o coração absolutamente na boca, tem que correr do local onde está em desespero ao se encontrar com uma, é excessivo; e é esperado que tamanho medo fará com que a pessoa tenha que tomar precauções toda hora fugindo dos insetos; no final, fica pensando em baratas o dia inteiro.
Imagine outra situação, na qual uma pessoa tem essas sensações mas sem um desencadeante claro: Eventualmente a pessoa tem um desespero gigante, chegando a ter dificuldade de respirar ou com o coração batendo rápido demais. E não sabe o que causou isso, só vivencia o medo, ao mesmo tempo desinformada do porquê isso existe e podendo ter esses episódios a qualquer hora. A função natural das coisas nesse caso é se isolar, decidir ficar num ambiente confortável, seja para sentir menos o desespero, seja para não sentir vergonha se ele ocorrer. Genericamente, isso é chamado de pânico.
Outra situação é uma pessoa que trabalha numa empresa, funcionário considerado exemplar. Sempre foi “ansiosão”, desde adolescente lembra de todos falando para ele “relaxar” (menos os pais, que frequentemente o cobravam para que estudasse mais). Tem uma família com alguns problemas, uma filha não gosta muito de estudar e o filho joga videogame demais, sei lá, mas na média não há grandes problemas, vida normal. Ao longo do tempo a pessoa para de ir ao cinema ou no bar com os amigos, seja para não gastar dinheiro à toa, seja para ter mais tempo para resolver os problemas da empresa. Em casa todos trabalham, mas aquela pessoa é a que resolve o problema do vanish faltando ou do vaso entupido, e sempre há algo para resolver. E ela tem menos tempo para resolver essas coisas, agora que traz trabalho para casa, para mostrar serviço e se diferenciar dos colegas, e garantir o aumento que garantirá a faculdade da filha, que pode ser particular, e deus sabe o que acontecerá se ela prestar medicina. Agora não se desliga dos problemas, quer sempre resolver algo, sendo útil resolver ou não; não consegue relaxar, nem no mais bobo domingo de tarde; frequentemente não dorme bem, come o mais rápido possível para não perder tempo, quando come; passou a ter mais uma dor de estomago, ou tem uma dor constante no pescoço (não que isso o afaste do trabalho, porém); não sai mais do circuito casa-trabalho, há meses não vê amigos. A isso, podemos de chamar de transtorno de ansiedade generalizada.
Quanto trabalho, que angústia! O mais difícil é perceber que há saída dessas situações, que há mudanças para que isso melhore. A maior dificuldade nos tratamentos é que a pessoa veja que há algo a ser tratado, e não ela que é fraca ou com menos valor: “eu que tenho medo de barata, tenho que me livrar disso sozinha”; “não sei porque sinto isso, mas sinto, e vou lidar do meu jeito”; “todo mudo tem uma vida assim, a minha não é pior, eu só tenho que trabalhar ou me organizar mais”. Habitualmente o ansioso é cobrado por várias pessoas, mas mais por si. É o pior chefe que conhece.
Transtornos de ansiedade são comuns na população, talvez por todos nós estarmos muito sujeitos a situações ansiogênicas. Temos um total de 19,9% da população tento diagnóstico de algum transtorno de ansiedade, sendo 10,6% com alguma fobia específica, 2,3% com ansiedade generalizada e 1,1 com pânico. Muita gente. (1).
Uma questão existente é na expectativa do tratamento, como não querer virar um “hippongo”, mas nem o seu médico deveria querer! A ideia é minimizar o sofrimento, inclusive para que você trabalhe melhor, sem tanto sofrimento e com maior eficácia. Outra coisa que ouço as vezes é que a pessoa não quer ficar dependente de remédio. E nem é essa a intenção do tratamento, e sim que você melhore. Se precisar tomar algum remédio, que seja na menor dose possível, com um plano claro para parar; sejam as medicações que servem para de fato tratar, sejam as que só aliviam sintomas num instante.
Cortar os excessos, dar prioridades, se organizar, exercícios, melhorar alguns pontos da alimentação. Tudo isso pode ajudar os sintomas de transtornos de ansiedade, mas às vezes demora muito. Procure tratamento se houver um sofrimento grande- não só por situações complicadas, mas pela intensidade do sentimento em si.
1- Andrade LH, Wang Y-P, Andreoni S, Silveira CM, Alexandrino-Silva C, Siu ER, et al. (2012) Mental Disorders in Megacities: Findings from the São Paulo Megacity Mental Health Survey, Brazil. PLoS ONE 7(2): e31879. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0031879