top of page

Depressão, Ausências, Melhoras

Depressão Frases

Há um tempo eu tive uma manhã bem cheia: saí de casa cedo, acabei andando por são Paulo para um trabalho em várias regiões aproveitando o belo transito, emendei a bela tarefa de comprar insumos para o consultório. Mas no final da manhã consegui apertar um horário para visitar uma amiga que havia acabado de ter um filho, o primeiro naquele grupo de amigos.

É engraçado do como parece  que o tempo para. O bebê ficou no meu colo uns 40 minutos pelo menos, absolutamente tranquilo. Não chorou quase nada, só umas reclamadinhas de posição, mudou e ficou tudo bem. Assim como a mãe, o menino parecia um lorde para pedir a amamentação: chorava um pouquinho, a mãe falava um pouco com ele, acertou que ia dar a mama e acabou, ele ficava esperando, isso com nem um dia de nascimento. Momento meio mágico da semana! Eu honestamente fico meio emocionado, meio mole quando eu vejo essas coisas. Desde o final da adolescência eu gosto de bebês, passar na pediatria na faculdade foi bem divertido!

Agora, e se esse gosto sumisse? Não que curtir bebês se anulasse da minha história inteira de vida, e sim que esse gosto, naquele instante, desaparecesse: Eu fosse ver o bebê dessa amiga, nesse dia difícil, e ao invés de ter sentido uma grande felicidade, essa paz, eu tivesse sentido a visita como uma obrigação, um peso? Ficado pensando em outras responsabilidades, ou em tudo que ainda tinha que fazer? Como teria sido triste a visita que podia ter sido e que não foi. Que sem graça.

Em parte, isso é depressão. Há estereótipo de alguém gravemente infeliz, sem conseguir levantar da cama, sem nem tomar banho, sem esperança no futuro. Isso existe, e existem até formas mais graves, mas não na maioria dos casos. Geralmente, pessoas deprimidas são aquelas que, por uma predisposição biológica ou por acontecimentos na vida, ficam perenemente melancólicas: geralmente tristes, com menos energia ou com um peso maior para as coisas da vida, com menos prazer no trabalho ou em distrações, com uma maior chance de ficarem angustiados, mais isolados. Isso geralmente aumenta de modo sutil, gradual; é raro alguém que vai de vida ótima à depressão grave em duas semanas.

Para mim, nesses casos leves mora um perigo bem particular. Qualquer pessoa próxima de alguém numa depressão grave deveria ter o bom senso de oferecer suporte, de procurar consultas com um psiquiatra ou psicólogo, de ficar junto da pessoa mais tempo. Mas uma pessoa num caso leve as vezes, ao invés de ganhar o diagnóstico formal, médico de depressão... ganha o diagnóstico informal de preguiça. De irresponsável, procrastinador, desmotivado. E a solução “prescrita” é invariavelmente “vai logo fazer isso ou aquilo”- Vai lavar louça, trabalhar, sair com as crianças, (e não fazer terapia ou se medicar).

Geralmente essas propostas aparecem para estimular o angustiado de algum jeito. Mas essa pessoa sofre de algumas dificuldades que, no mínimo, atrasam a melhora: Pode haver algum desconforto maior e não compartilhável (íntimo) que piora em novas tentativas de atividades na vida; pode ser que prazeres prévios agora estão sem graça, e que não voltaram a serem bons numa tentativa recente; pode ser que tarefas simples agora estão associados a sofrimento, e daí a pessoa tentar fazê-los é quase uma tortura!

Ao invés da depressão típica/melancólica, pode haver algo mais difícil de identificar: sem tristeza, mas maior indiferença, falta de vontade ou prazer, e principalmente irritabilidade. Geralmente a pessoa aproveita da vida, não há disfuncionalidade, mas sim maior cansaço, mais peso, mais pausas. Isso pode ser tachado como TPM, mau humor simples, jeito, qualquer coisa... Mas pode ser depressão, principalmente se não passa, ou se a variação de humor fica frequente.

Também há algo que chama atenção no tratamento de depressão. As vezes médicos ou pacientes se conformam como uma melhora parcial de algum sintoma de uma doença. Deixam o humor melhor do que antes, mas sem lutar por uma melhora completa. Dor como exemplo duas situações médicas diferentes. Primeiro: Num pronto socorro por uma entorse, o médico pode te dar alta ainda com um pouco de dor após um analgésico na veia, pois ele pode presumir que você ficará melhor, não tendo fratura ou rotura de ligamento. A ideia do tratamento, nesse caso, é a melhora completa. Segundo: Numa doença degenerativa, no qual há progressão dos sintomas invariavelmente, o médico (e o paciente) deverão medir se vale o tratamento, mas pode ser uma atitude madura se conformar com parte dos sintomas remitidos, mas com sintomas residuais presentes.

Parte dos médicos e pacientes entendem depressão como sendo do segundo grupo: “você já melhorou tanto! Já está praticamente boa! Melhorou 70%? Ótimo! ” Consideram que a pessoa “ é deprimida” ou que depressão e algo inevitável, degenerativo. Essa visão é um problema enorme. Depressão deveria ser visto como algo sim, completamente contornável! Se a pessoa melhorou 70%, ótimo, isso com certeza é uma melhora importante! Porém não basta: Ainda deve ser tratada aquela melancolia eventual, ou sono ruim, ou a falta de concentração. A ideia do tratamento é sempre a melhora completa, mesmo que isso demore.

A razão da depressão ter o chavão de “mal do século” é o grande aumento no diagnóstico desse transtorno: Esse grande estudo de 2012, por exemplo, mostra que alguma forma de depressão aparece, em um ano, em 9,4% da população de São Paulo (1). É muita gente mas que, individualmente, tende a se isolar. Daí pessoas que não conhecem outras pessoas que passam por situações semelhantes, o que reforça a ideia que o deprimido “está quebrado”, e que “é sozinho”.

Qual o seu gosto diferente, a sua atividade mais pessoal? Você sente falta de algo que parou de fazer, saudade de um tempo onde as coisas eram mais leves, onde havia menos angústia na vida? Se sim, busque de novo esses prazeres, busque a graça na vida. Se já tentou e não deu certo, busque ajuda: Se você estiver deprimido, o tratamento vai tornar a sua vida melhor. Não desista de você!

1- Andrade LH, Wang Y-P, Andreoni S, Silveira CM, Alexandrino-Silva C, Siu ER, et al. (2012) Mental Disorders in Megacities: Findings from the São Paulo Megacity Mental Health Survey, Brazil. PLoS ONE 7(2): e31879. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0031879

 

 

 

bottom of page